Olhar sobre os rituais fúnebres das principais religiões presentes em Portugal, sem esquecer os ateus e agnósticos.
Por Ana João e Vanessa Pais
CRISTÃOS
Igreja Católica
De acordo com os Censos de 2011, cerca de 70% da população portuguesa é católica. No que diz respeito ao ritual fúnebre e à sua evolução no ceio da Igreja Católica, o Pároco Carlos Paes, da Paróquia de São João de Deus, em Lisboa, reflete: “O ser humano sempre teve uma forma ritual de sepultar os seus defuntos, todos os povos têm esse culto. A Igreja sempre teve uma atitude de muito respeito pelo corpo humano e mesmo pelo tratamento dos ossos. Há uma sacralização dessa realidade, que faz com que os cemitérios, cristãos e não só, sejam lugares sagrados.”
No que à cerimónia fúnebre diz respeito, o pároco afirma: “As exéquias fúnebres podem ter um formato mais simples – em que os familiares pedem só uma encomendação, uma oração – ou mais desenvolvido, com missa. Continua muito arreigado também o pedido das missas do 7.º e 30.º dia e no aniversário da pessoa falecida. É uma forma de manter uma certa comunhão entre vivos e defuntos, porque nós acreditamos que a morte é o fim de uma etapa, mas não é o fim da história.”
Apesar de os rituais normalmente serem acompanhados de um pensamento, de uma palavra que ilumine a situação de perda, há depois elementos específicos, alguns provenientes de tempos mais antigos. O Pároco Carlos Paes exemplifica: “Nas nossas províncias ainda existe com frequência na sala de velório uma caldeirinha com água benta e as pessoas que chegam aspergem o defunto; não é só o padre na altura própria. É uma forma de as pessoas afirmarem a sua fé”. A oferta de flores é outro elemento que também está normalmente presente na cerimónia. “É uma forma de manifestar amizade, saudade e dor, embora essa oferta às vezes seja feita de uma forma excessiva (ao contrário dos franceses, por exemplo, que se contentam em oferecer uma rosa)”, nota o pároco. E acrescenta: “Algo que antes não acontecia, mas que começa a ver-se mais é o facto de as pessoas acenderem velas nos cemitérios”.
Em suma, ao longo do tempo, a Igreja Católica, na opinião do pároco, tem vindo a acompanhar a evolução da sociedade. “Houve tempos em que a cremação era completamente desaconselhada, porque era um rito que entrava em contradição com a fé católica. Mas, pouco a pouco, a compreensão evoluiu e hoje a Igreja não se opõe e acompanha o ritual. Há cada vez mais pessoas, católicas e não católicas, a optar pela cremação”, salienta o Pároco Carlos Paes.
Comunidade Greco-Católica Romana
Provenientes de um país onde a Igreja predominante é a ortodoxa, os ucranianos greco-católicos encontram no Patriarcado de Lisboa uma casa para a celebração da ritualidade oriental católica. O padre Mykola Marian Yarema, pertencente à Ordem de São Basílio Magno, é o responsável pela Capelania Greco-Católica Ucraniana no Patriarcado de Lisboa, e revela alguns dos ritos católicos ucranianos: “Uma das responsabilidades da Igreja é a oração. Nós oramos por uma pessoa no dia da sua morte, oramos aquando do funeral, rezamos no nono dia, no quadragésimo, no aniversário da morte, e às vezes no aniversário [de nascimento].”
Salientando que “cada família tem suas próprias tradições”, o padre refere que todos os sábados os mortos são lembrados, havendo algumas datas, os chamados sábados universais, que são dias de comemoração de “todos os falecidos pais, mães, irmãos e irmãs” (como o sábado do Juízo Final, o sábado antes da descida do Espírito Santo e os sábados da Segunda, Terceira e Quarta Quaresma). Outra data apontada é o Dia dos Finados, em novembro, em cuja celebração, lembra o pároco, a comunidade católica ucraniana em Lisboa costuma contar com o apoio da Servilusa.
Evangélicos
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e da Universidade Católica, entre 3,5 a 4% dos portugueses afirmam-se evangélicos, herdeiros da Reforma Protestante que têm as Escrituras como única regra de fé. A Aliança Evangélica Portuguesa congrega e representa a quase totalidade das igrejas evangélicas em Portugal, com um número de fiéis na ordem dos 250 mil e com cerca de 1500 locais de culto espalhados por todo o país. O presidente da associação, António Calaim, explica que, no que respeita às exéquias fúnebres, “cada comunidade e igreja é autónoma e a liturgia de cada uma terá alguma singularidade, mas todas se focam na breve passagem por este mundo e que os crentes, após a sua morte física, entrarão em plena comunhão com o Criador”. Acreditando na Ressurreição dos mortos, o responsável afirma: “O cemitério não é a última morada”.
Testemunhas de Jeová
Conhecidas pela sua obra de evangelização nas ruas e nos lares, as Testemunhas de Jeová são uma denominação cristã que possui membros em 240 países e conta com cerca de 50 mil crentes em Portugal. Tendo surgido a partir da década de 1870, quando o Pastor Charles Taze Russell e alguns associados formaram um grupo de estudo da Bíblia, na Pensilvânia, Estados Unidos da América, este movimento religioso é constituído por milhões de membros, agrupados em células locais designadas por Congregações, unidas sob uma estrutura mundial.
De acordo com Pedro Candeias, do Departamento de Informação Pública em Portugal, os funerais dos fiéis podem acontecer num Salão do Reino das Testemunhas de Jeová (nome pelo qual são conhecidos os seus locais de culto) ou “onde a família considerar mais apropriado”, seja “numa sala de velório, numa casa particular, num crematório ou no próprio cemitério”. “Os nossos funerais não são ritualistas, não fazemos uso de quaisquer símbolos religiosos”, informa o responsável.
Pedro Candeias explica como se processa uma cerimónia fúnebre das Testemunhas de Jeová, aberta ao público, como as outras reuniões: “Para consolar os amigos e familiares, é feito um discurso que explica o que a Bíblia diz sobre a morte e sobre a esperança da ressurreição. Pode ser que no discurso sejam destacadas algumas qualidades da pessoa que morreu, talvez mostrando o que aprendemos do exemplo de fé dela. Poderá ser entoado um cântico baseado na Bíblia e, no final, é feita uma oração para consolar os presentes.
Igreja Mórmon
Popularmente conhecida como a Igreja Mórmon, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é uma instituição religiosa de fundamentação cristã e de características restauracionistas e conservadoras. Foi fundada em 1830 por Joseph Smith Jr. – considerado profeta que traduziu os registos que deram origem ao Livro de Mórmon.
Sediada em Salt Lake City, nos Estados Unidos, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias conta atualmente com cerca de 16 milhões de membros por todo o mundo, existindo em Portugal cerca de 45 mil praticantes, organizados em 74 congregações por todo o país.
“A Igreja provê os meios para que as cerimónias realizadas por ocasião do falecimento de uma pessoa sejam respeitosas e solenes e proporcionem uma experiência espiritual a todos os participantes”, afirma o Élder Joaquim Moreira, membro do Terceiro Quórum dos Setenta da Igreja em Portugal. O funeral, geralmente realizado sob a direção do líder local, “deve ser uma ocasião espiritual, além de uma reunião da família”.
“Devemos sempre levar em consideração os desejos da família, mas assegura-se de que o funeral seja simples e respeitoso, com música e breves discursos e mensagens centralizados no evangelho”, esclarece. Pode acontecer a igreja ceder uma das suas capelas para o funeral de uma pessoa que não seja membro. “A cerimónia geralmente pode ser realizada da maneira prescrita pela igreja da pessoa falecida”, informa o responsável, acrescentando: “A Igreja normalmente não incentiva a cremação. Contudo, se o corpo de um membro for cremado deve seguir as informações sobre a dedicação do local em que as cinzas serão guardadas”.
ISLAMISMO
Estima-se que vivem em Portugal cerca de 20 mil pessoas praticantes do Islão, religião monoteísta centrada nos ensinamentos do profeta Maomé e do Alcorão, texto considerado sagrado. Praticando os dogmas da oração, o jejum no mês de Ramadão e a peregrinação a Meca, a religião muçulmana tem alguns rituais fúnebres próprios: “Quando alguém falece, a família tenta ter acesso ao corpo o mais rapidamente possível, levando-o para a mesquita mais próxima, onde é feito o ritual do banho do defunto”, informa o Sheikh Zabir, membro da Associação Cultural Colinas do Cruzeiro, em Odivelas.
Existem algumas mesquitas na região da Grande Lisboa e Vale do Tejo, e outra no Porto, estando espalhados por várias zonas do país outros locais de culto mais pequenos. O banho é dado por três ou quatro pessoas próximas e do mesmo sexo do defunto, sob o acompanhamento de um Sheikh. “Depois o corpo é envolto em três a cinco mortalhas brancas, [uma espécie de lençóis]. A partir daí vela-se o corpo consoante a origem e cultura do defunto, seja africana, asiática ou árabe. Na manhã seguinte faz-se uma oração fúnebre e o corpo é levado para o cemitério e enterrado sem caixão”, explica o Sheikh Zabir, acrescentando: “São as próprias famílias que enchem a cova e fazem uma última oração fúnebre”. Normalmente não existem lápides nem flores na última despedida, “embora cada vez mais as pessoas se ajustem à cultura do país”. “A parte espiritual é a mais importante”, ressalva o responsável.
Há comunidades que gostam de rezar durante os 40 dias seguintes à morte do ente querido, sendo que sobretudo a comunidade paquistanesa e algumas africanas preferem transladar o corpo para o país de origem. “É um assunto polémico, respeitamos, mas a religião não é a favor da transladação. Defendemos que a pessoa deve ser enterrada onde morre e, por norma, não se pode levantar as ossadas”, refere. Outro ritual desaconselhado pela religião muçulmana é o da cremação. De acordo com o Sheikh Zabir, “o desfazer do corpo com o fogo – conotado no Islão com o conceito de inferno – é altamente desagregante”.
BUDISMO
Filosofia ou religião não teísta que surgiu originalmente na Índia por volta do século VI a.C., o Budismo abrange diversas tradições, crenças e práticas baseadas nos ensinamentos de Siddhartha Gautama, intitulado Buda. De acordo com a União Budista Portuguesa, estima-se que em Portugal o número de praticantes ronde os 15 mil e que haja 25 monges, estando entre estes representadas as tradições birmanesa, chinesa, japonesa, tailandesa, tibetana e vietnamita.
No Budismo, os rituais fúnebres variam consoante as tradições. “Em algumas, o corpo defunto é envolto em tecido branco. São lidos sutras – que contêm os ensinamentos do Buda – e efetuadas preces para que o contínuo mental que abandona o corpo atinja a iluminação”, explica a organização.
Em algumas tradições, particularmente na tibetana, o desfazer do corpo deveria ser feito passados 49 dias após a morte. “Não sendo possível no Ocidente, procura-se que essa fase final seja efetuada somente depois de o defunto abandonar o seu estado meditativo”, refere a União Budista, considerando que “no momento da morte cerebral, alguns praticantes permanecem em meditação durante alguns dias”. “O corpo mantém-se flexível, existe calor na zona do coração e não entrou ainda em decomposição. Durante esse estado procura-se não perturbar o corpo, sendo o ritual fúnebre efetuado quando surgem sinais de que terminou o estado meditativo”, explica a instituição. Todo este processo costuma ser orientado por um mestre qualificado.
No que diz respeito ao que fazer com o corpo também aqui depende da tradição e do nível de praticante. “Enquanto o corpo de alguns budistas mais avançados por vezes é embalsamado, noutras situações o corpo é oferecido aos animais”, esclarece a União Budista. O método fúnebre mais comum é, no entanto, a cremação. Considerando que “a nossa mente, o nosso contínuo mental se apega a este veículo transitório” que é o corpo, “a cremação é uma das maneiras de cortar a raiz desse apego”. “Desse modo, nada fica para trás.”
ATEUS
De acordo com os Censos de 2011, cerca de 615 mil pessoas assumem-se sem religião em Portugal. Como é o funeral de alguém ateu, agnóstico ou cético quanto à existência de divindades? Carlos Esperança, presidente da Associação Ateísta Portuguesa (AAP) observa que praticamente não há espaços laicos onde se possa proceder aos rituais funerários. “É grave que não haja mais espaços neutros e a associação tem-se debatido por isso”, afirma, recordando o caso recente do velório de uma personalidade ateísta proeminente em Coimbra, onde se optou por cobrir a imagem do crucifixo patente na capela mortuária. Ou de outro defunto ateu que saiu da morgue do hospital diretamente para o crematório. “Não são situações agradáveis”, afirma o responsável, acrescentando que também é aspiração da AAP, “por uma questão de respeito pela memória” do falecido, “que não haja simbologia religiosa no que se refere às urnas”.
Quanto ao momento que precede a cerimónia, Carlos Esperança refere: “Não acreditamos que haja outra vida para além desta.” No entanto, são valorizados, ainda assim, os rituais fúnebres como uma oportunidade para os familiares e amigos prestarem uma última homenagem ao falecido. A cremação ou a inumação do corpo são ambos cenários possíveis, havendo também pessoas que “optam por ceder o corpo à Medicina”.
RITUAIS TRIBAIS
Se a diversidade dos rituais religiosos no mundo ocidentalizado é, não raras vezes, desconhecida entre habitantes do mesmo bairro, o desconhecimento é, por vezes, total quando nos referimos a ritos não ocidentais ou, mesmo, tribais, como os que enumeramos , a título de curiosidade:
Dani – Papoa, Nova Guiné: Mulheres e crianças, perante a perda de um familiar, cortavam a falange de um dedo como forma extrema de mostrarem a sua dor pela perda de um ente querido. O ritual foi, entretanto, proibido.
Toraja – Indonésia: Nesta tribo os falecidos ficam em casa durante meses, sendo que, no dia do enterro, no qual são sacrificados dois búfalos, o corpo é transportado pelos familiares para o destino final.
MaiNene – Indonésia: Esta tribo leva a cabo um ritual reconhecido internacionalmente, sob a forma de festival, que se realiza em setembro, e que consiste em desenterrar os falecidos, vesti-los e embeleza-los e depois dançar com eles como forma de homenagem.
Aghoris Sadhus – Índia: Esta tribo pratica o canibalismo com os falecidos, por acreditarem que esta é uma forma de ganharem poder físico e mental, sendo os restos mortais lançados ao rio Ganges.
Zoroastrianism – Índia: Também na Índia, esta religião acredita que os falecidos não são puros, pelo que não podem ser enterrados ou cremados. Os corpos são depositados em torres e, depois da decomposição do corpo, os restos mortais são colocados em “ossuários”.
Mulheres indianas: Ainda na índia, na década de 50 do século passado, era costume as mulheres voluntariamente serem cremadas com o seu falecido marido. No entanto, concluiu-se que em muitos casos foram “voluntárias à força”.
Aborígenes – Austrália: O costume nesta tribo passa por envolver os falecidos em ramos de árvores, para que as crianças recebam os seus fluídos. Portanto, acredita-se na virtude dos falecidos.
Famadihana – Madagáscar: A cada sete anos, há um ritual que consiste em desenterrar os falecidos, embrulhá-los num cobertor e dançar com eles.
Yanomami – Amazónia: Esta tribo acredita que ao colocar as cinzas dos falecidos na sopa que consomem ganham a sua vitalidade.
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