Durante um passeio com o marido, em maio de 2014, pelo percurso do Azores Trail Run, Ana Paula Évora decidiu que queria experimentar o trail. Nem o diagnóstico de um nódulo na mama, no mesmo ano, e o posterior tratamento demoveram esta faialense de perseguir os seus objetivos. Em julho, participou na Maratona do Andorra Ultra Trail e trouxe de lá a medalha de bronze. História de uma vencedora de 63 anos.
“Nunca corri”, começa por contar Ana Paula Évora, natural dos Açores e com sotaque bem conservado do Brasil (onde, entre os 2 e os 13 anos, viveu com a família, na sequência da erupção do Vulcão dos Capelinhos). “Em miúda, joguei basquete, mas depois estive muitos anos sem fazer exercício, não tinha tempo.” Funcionária pública, atualmente aposentada, e mãe de dois filhos, viveu no Continente (em Coimbra e, mais tarde, em Lisboa) entre 1969 e 1998. “Depois voltei para os Açores, Ilha Terceira, após a morte do meu marido. Em 2002 voltei para Lisboa, mas só durante dois anos; regressei ao Faial e não saí mais”, conta Ana Paula, que entretanto voltou a casar.
O companheiro foi o primeiro a apoiá-la quando, em Maio de 2014, tinham ido ver a chegada à meta dos atletas do Azores Trail Run (ATR), decidiu que queria experimentar participar em provas de trail: “‘Tens de treinar’, disse-me ele. E assim foi. Comecei aos poucos, aumentando gradualmente, e inscrevi-me no ano seguinte para fazer a prova dos 22 km do ATR”, revela a atleta faialense.
Antes de cumprir o sonho, Ana Paula Évora enfrentou a dura notícia de um cancro na mama. “Foi em Agosto de 2014 que me foi diagnosticado. Mas demorou algum tempo até eu ser enviada para Lisboa, então continuei a treinar e fiz a prova, em 3h22m, correu muito bem para a primeira vez”, comenta, com orgulho. Objetivo cumprido em Maio de 2015 e, em Julho, novo desafio: a mastectomia ao peito esquerdo. “A recuperação correu bem, mas deita sempre uma pessoa abaixo”, recorda. Em Dezembro de 2015, fez a última sessão de quimioterapia e em Janeiro perguntou ao médico se podia começar a correr. “Ele disse para ter calma mas não se opôs. Então voltei a treinar, e em Maio de 2016 participei pela terceira vez no ATR.”
Em Abril do ano passado, estreou-se, por sua iniciativa, nas maratonas, participando pela primeira vez no Madeira Island Ultra Trail.
Resolvi aumentar a distância e não foi fácil, não estava preparada para uma prova daquelas… Depois nos Açores, no mês seguinte, fiz o trail de 42km do ATR, e já correu um pouco melhor.
Ainda em 2017, um golpe de calor fá-la desistir do Trail das Fajãs, na ilha de São Jorge, e concluiu que tinha chegado a altura de encontrar alguém disponível para a orientar. “Comecei a ser treinada pelo João Mota em Outubro de 2017 e em boa hora o fiz, porque desde aí, tenho melhorado muito, apesar da idade”, confirma a atleta sexagenária, vigiada semestralmente pelo médico e a cumprir quimioterapia oral, durante mais dois anos e meio.
Bronze em Andorra
João Mota vive em Portugal continental, mas, habitué de provas de running nos Açores, já tinha ouvido falar da faialense quando esta o contactou. “A Ana Paula veio ter comigo porque teve um insucesso, então a minha estratégia com ela passou por nos focarmos antes no sucesso. Propus-lhe o desafio de ir a Andorra fazer a maratona mais dura do mundo. Desviei-lhe o foco daquilo que era o insucesso e ela começou a preocupar-se com aquilo que era quase um sonho… E isso faz toda a diferença. A partir do momento em que uma pessoa começa a sonhar tudo pode acontecer”, comenta o coach. “Além disso, a Ana Paula é bastante competitiva e lutadora; no geral, as pessoas que passam por doenças oncológicas são bastante lutadoras…E quando há vontade de fazer, fica mais fácil, tanto para o atleta, como para quem orienta.”
Ao longo de oito meses, Ana Paula cumpriu o planeamento traçado por João Mota, tendo participado no “seu” Azores Trail Run (42km) antes de fazer a Maratona dell Cims do Andorra Ultra Trail Vallnord. “Foi de longe a prova mais dura em que participei, com um desnível positivo de 3 mil metros. Por alguma razão é considerada na distância a prova mais difícil realizada na Europa”, confidencia a atleta, que, não obstante, conquistou o terceiro lugar feminino: “Fiquei satisfeita, acho que fiz uma boa prova.”
O próximo desafio passa por concluir as três etapas do Azores Trail Run/Triangle Adventure 2018, em Outubro, num total de 102 km distribuídos por três dias e três ilhas. “Não vai ser mais difícil que Andorra, com certeza!”, comenta Ana Paula, admitindo cumprir tudo o que o treinador sugere.
“Muitas vezes, o grande desafio do atleta é a parte mental, ou quando o corpo não consegue acompanhar. Mas a Ana Paula tem uma forma muito positiva de encarar a vida – acredita sempre que vai conseguir. Os seus desafios estão completamente ao seu alcance!”, realça João Mota.
Acredito que a Ana Paula pode ainda evoluir bastante. O corpo supera as barreiras da idade, desde que o treino seja feito de forma progressiva, equilibrada, e tendo cuidados com a saúde e alimentação.
Garantindo que come de tudo, Ana Paula pratica uma alimentação o mais natural possível, respeitando as dicas do treinador, e sente que a prática de desporto a fortalece dia após dia. “O meu médico disse-me que as células cancerígenas não gostam de pessoas que façam exercício… E eu sinto-me bem. Não me deixo levar por dificuldades que me apareçam, sou otimista. E persistente: quando quero uma coisa, não há ninguém que me faça desistir.”
Nunca é tarde para começar. Ninguém deve ficar parado em casa a lamentar-se. Se não gostar de correr, que ande, nade. Fazer algum tipo de exercício é sempre benéfico para o corpo e para a mente.
Artigo originalmente publicado na RUNning Magazine.
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