Por Ana João
“Quando era criança, temia a morte. Agora, envelheço tanto. Temo a morte, mas sei que, se tentar fugir-lhe, estarei a correr na sua direção.” Foi lendo esta passagem do livro Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto, que a psicóloga clínica e formadora da APPSF, Ana Santos, introduziu a tertúlia “O luto na terceira idade”. Contando também com a participação do Padre Domingos Carneiro, do presidente da Junta de Freguesia de Agualva e Mira Sintra, Carlos Casimiro, e do professor e artista plástico Lívio de Morais, o evento captou o interesse de dezenas de pessoas, jovens e seniores, que marcaram presença na Paróquia de Agualva, numa noite de reflexões e desabafos sobre a morte e a perda.
“Quando pensamos em luto, que palavras nos surgem à cabeça?”, perguntou Ana Santos à assistência. As respostas não demoraram a ouvir-se, aqui e ali: “Dor”, “perda”, “saudade”, “ausência”, “sofrimento”, “tristeza”, “lágrimas”, “revolta”. “A gestão das emoções é o grande desafio do luto”, comentou a psicóloga clínica. “Temos o direito de sentir estas emoções, que não podem ser completamente resolvidas com medicação ou com o tempo. Cada pessoa tem o seu ritmo quando vive uma perda importante, e passa por entender o que acontece dentro de si e na sua relação com os outros.”
“Temos o direito de chorar”, apoiou, por seu turno, o artista plástico Lívio de Morais, que falou na dificuldade de “desatar o nó do luto”, parafraseando o título de um livro de José Eduardo Rebelo. “É um nó que não nos deixa nem comer, nem ver a luz do sol, nem ter interesse por nada… Ficamos desativados, revoltados até com Deus, como disse o Papa Francisco”, afirmou o orador, católico praticante, refletindo sobre a importância da fé nos momentos de perda: “Creio na ressurreição e na vida eterna, a partir daí já não posso ficar tão triste.”
O lugar da fé no processo de luto
Aproveitando também as palavras do Papa Francisco, o padre Domingos Carneiro reconheceu que “a morte é uma bofetada nas promessas”, “um buraco negro”. “Na vida já me passaram muitas situações dramáticas”, partilhou o pároco, contando algumas histórias pessoais e como missionário. “Perante a morte, lembro-me de uma passagem da Bíblia, que conta que Jesus chorou a morte de Lázaro, antes de o ressuscitar. Confesso que às vezes fico sem palavras, mesmo nos funerais. A morte mexe comigo”, reconheceu.
Carlos Casimiro, por seu turno, frisou a importância da “aceitação” e da “valorização da vida”. “Quando falamos da terceira idade, tornamo-nos cada vez mais conscientes do fim da nossa vida terrena. Há um sofrimento do desconhecido, valendo a fé, a crença na vida para além da morte.”
“Para algumas pessoas, a fé é um recurso muito importante e valioso”, reconheceu Ana Santos. O público teve também oportunidade de intervir, partilhando histórias de perda, com as palavras “fé” e “aceitação” a estarem no centro da tertúlia. “É possível fazer o luto, a fé ajuda e a aceitação torna-se mais fácil”, comentava alguém da assistência. “Aceitar é fundamental”, corroborou o Padre Domingos. “Todas as famílias passam por perdas, faz parte da vida.”
“Estamos aqui de passagem. Se há fé, a morte não é o fim. A ressurreição é a nossa consolação”, considerou Lívio de Morais, admoestando os presentes “a fazer companhia” a quem passa por um processo de luto, “a praticar a caridade”. “Na vida, temos quatro caminhos que nos podem ajudar”, concluiu o Padre Domingos Carneiro: “Amar muito, sofrer pouco, lutar bastante e vencer sempre.”
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