Mais de 100 pessoas reclusas frequentam aulas de Yoga e meditação em seis estabelecimentos prisionais do país. O Prison Yoga Project nasceu nos Estados Unidos há duas décadas e chegou a Portugal há um ano. O objetivo é alargar a prática às 49 cadeias nacionais.
“Os que vêm pela primeira vez têm alguma lesão ou dor?”, pergunta Inez Aires, professora de Yoga e diretora do Prison Yoga Project Portugal, ao grupo de 16 reclusos que, tapetes estendidos, iniciam a aula em mais uma terça-feira de manhã, no refeitório da ala B do estabelecimento prisional (EP) de Sintra. “Lombar”, “hérnia”, “ombro”, ouve-se aqui e ali. “Então vamos devagar. Se alguma postura custar, não fazem”, pede, convidando a que se deitem de costas, em posição de savasana, em silêncio, fechando os olhos.
“Vou inspirar profundamente pelo nariz e expandir a capacidade do meu tórax. Encho a barriga de ar, depois a zona intercostal e finalmente o peito”, guia calmamente a professora. “Ao expirar, solto o peito, depois a zona do diafragma e no final o baixo ventre… A respiração completa do yoga tem estas três fases: abdominal, intercostal e peitoral. Muitas vezes, limitamo-nos a respirar apenas pelo peito, e o corpo atrofia, fica com pequenas tensões e dores, porque não criamos espaço dentro dele. Então convido-vos a ir àquele pontozinho do pulmão que nunca visitam… Inspira, expande, cria espaço onde não existe. Quando necessitar de expirar, solta. Ahh…”
Um rapaz abandona a aula, os restantes continuam a seguir as indicações de Inez, durante cerca de uma hora, trabalhando a respiração (pranayamas) e posturas (asanas).
“Equilíbrio e força”, pede a instrutora a dada altura, corpos mais que aquecidos. “Como um ninja…”
“Isto é mais difícil que ir ao ginásio”, graceja um, cortando o silêncio.
A tirada faz rir o senhor Horácio, longevo funcionário do EP: “Vocês estão é velhos… Cotinhas!”
Inspira… expira
Bruno S. é um dos alunos mais antigos do Prison Yoga Project Portugal, que, fruto de um protocolo entre a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) e a ALMAZ – Associação Holística em Meios Prisionais, começou há um ano em Sintra ‒ e se alargou aos EP de Lisboa, Linhó, Coimbra, Santa Cruz do Bispo e da Polícia Judiciária do Porto, com 26 professores voluntários. “Já tinha feito Yoga na rua e desejei muito que houvesse aulas aqui. E de repente caíram eles, de paraquedas: a Inez, a Ana e o Paulo [que se revezam semanal ou bissemanalmente no EP de Sintra]. Dá-nos uma paz de espírito grande e na realidade sinto que acrescentou muito ao nosso dia-a-dia. Com ou sem culpa, somos seres humanos e sentimos a energia pesada que é estar privado de liberdade. O Yoga trabalha corpo e mente e consegue elevar-nos a outro patamar, fora destas quatro paredes, destes gradeamentos.”
“É um momento em que conseguimos ligar-nos connosco próprios, é como se não estivéssemos no estabelecimento prisional”, corrobora Carlos M., que também frequenta as aulas desde o início. “Aqui lidamos todos os dias com uma frustração nova, e o Yoga vai-me ajudando a manter a calma em certos momentos. Também não sinto tantas dores físicas, de uma doença crónica que tenho. É uma prática que se aconselha vivamente, a qualquer pessoa, em qualquer idade.”
Impacto na recuperação e reabilitação social
“Este projeto é bom para todos: para os reclusos, para o Estado e para a sociedade”, considera Luís Jervell, membro da ALMAZ e professor do Prison Yoga Project Portugal. “Quase todos, se não todos os prisioneiros sofrem de, pelo menos, um trauma, como o abandono, a fome, o abuso sexual, a discriminação, o testemunho de crimes e violência. Frequentemente, são reações inconscientes a esses mesmos traumas que levam um indivíduo a cometer um ato criminoso”, reflete a equipa, acrescentando que “pesquisas demonstram que o Yoga e a meditação ajudam a reduzir os sintomas dos traumas”.
Mais de uma centena de pessoas reclusas participam nas aulas do projeto, tornando-se necessária a obtenção de mais “apoios, financiamentos ou patrocínios”, para possibilitar que o Yoga chegue, num dia não muito distante, às 49 cadeias do país. ”Os estabelecimentos prisionais de Leiria e do Montijo também já manifestaram interesse, pois o feedback que temos é extremamente positivo”, nota Filipe Arraiano, técnico da Divisão de Coordenação de Atividades de Tratamento Prisional da DGRSP, lamentando que o organismo “praticamente não tem orçamento para a área desportiva”. “Ainda não há um entendimento real da importância do impacto que este tipo de atividades poderá ter ao nível da recuperação e reinserção social da população reclusa.”
Primeiros passos em 2007
“Promover a transformação comportamental e reinserção, reduzir a reincidência, melhorar a saúde mental e física e a segurança pública” são os desígnios do Prison Yoga Project, criado em 2002 nos Estados Unidos ‒ onde abrange 72 instalações prisionais ‒ e presente em países como a Índia, México, Noruega, Suécia, Países Baixos e os do Reino Unido. Em Portugal, é o concretizar de um sonho que remonta a 2007, quando Pedro Marques dos Santos, atualmente integrando o projeto, começou a ensinar semanalmente, sozinho e de modo voluntário, em dois e, depois, três EP do Grande Porto.
Resume o professor que “o Yoga é a arte de ser e estar em cada instante”. Um sistema milenar originário da Índia, de posturas físicas, exercícios respiratórios, meditação e outras técnicas contemplativas, que é, de resto, tema de reflexão na Universidade de Lisboa, de 3 a 5 de março, no 3.º Congresso Mundial de Yoga e Medicina Ayurveda.
Factos e números
40,1% das pessoas reclusas (10.412, no total nacional) praticam desporto, das quais 89,1% fazem-no duas vezes ou mais por semana1;
Estima-se que 48,9% apresentam problemas de saúde mental2;
46,7% mantém atividade laboral2;
46,2% frequentam a escola e 21,2% fazem formação profissional2
Fonte: Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
1 Dados de 2022
2 Dados de 2021
Artigo originalmente publicado no jornal Público.
Foto: Daniel Rocha/ Público
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