Ao nascer do dia, em praias, estúdios ou casas por todo o mundo, há um gesto que se repete com reverência silenciosa: braços que se erguem ao céu, corpos que se dobram à terra. É a Saudação ao Sol – Surya Namaskara – uma sequência de posturas do Yoga. Mais do que uma ginástica matinal, é um tributo ao ciclo da vida, um alinhamento do Ser com o cosmos.
Na tradição védica, Surya é o deus Sol, símbolo de luz, consciência e vitalidade. A namaskara (ou saudação) é um gesto de reverência. Juntas, as palavras formam um ritual que nasceu na Índia antiga como uma forma de saudar o novo dia e cultivar uma atitude de gratidão. Historicamente, é praticada ao nascer do sol, como um momento para honrar o corpo, a respiração e o espírito.
Benefícios comprovados
Estudos têm vindo a demonstrar que a prática regular da Saudação ao Sol tem benefícios físicos – como tonificação muscular, ativação cardiovascular leve e aumento da flexibilidade – mas também mentais e emocionais, contribuindo para a regulação do sistema nervoso e para a redução do stresse e ansiedade.1
Considera-se que a prática também ajuda a despertar a energia vital (prana), a melhorar a circulação, estimular o sistema digestivo e até a qualidade do sono.2 É, para muitos, um verdadeiro tónico matinal – físico, emocional e espiritual. Ao coordenar o movimento com a respiração, a mente aquieta-se. É como sintonizar o corpo com o relógio da natureza.
A sequência
Embora haja variações conforme a escola (Hatha, Ashtanga, Sivananda, entre outras), a Saudação ao Sol clássica é composta por 12 movimentos fluídos, sincronizados com a respiração. Cada postura (asana) ativa diferentes partes do corpo – alonga, fortalece, aquece. Cada transição é feita com plena atenção, como se cada gesto fosse uma oferenda.

Eis uma descrição da versão mais clássica da Saudação ao Sol (Surya Namaskar A), praticada em muitas tradições de Hatha e Vinyasa Yoga. Cada movimento é acompanhado por uma respiração consciente (inspiração ou expiração), criando um fluxo contínuo:
1. Tadasana (Postura da Montanha)
Em pé, pés juntos ou paralelos, corpo alinhado, coluna ereta, ombros relaxados. Palmas das mãos unidas à frente do coração ou ao lado do corpo.
Inspira profunda e uniformemente, sentindo a estabilidade e o alinhamento.
2. Urdhva Hastasana (Saudação para Cima)
Eleva os braços estendidos para cima, alongando o tronco, olhando para as mãos ou à frente.
Inspira ao elevar os braços, alongando a coluna.
3. Uttanasana (Dobra para a frente)
Dobra o tronco para a frente a partir dos quadris, deixando a cabeça relaxar e as mãos perto dos pés ou no chão. Joelhos podem estar ligeiramente flexionados para evitar tensão.
Expira lentamente ao descer, relaxando o corpo.
4. Ardha Uttanasana (Meia dobra para a frente)
Eleva o tronco até ficar paralelo ao chão, com as mãos nas canelas ou no chão, coluna alongada e o olhar à frente.
Inspira ao subir o tronco, mantendo a coluna reta.
5. Phalakasana (Prancha)
Corpo alinhado, braços estendidos, apoiado nas mãos e pontas dos pés, coluna reta, abdómen ativo.
Respira de forma estável e firme, mantendo o corpo engajado.
6. Chatturanga
A partir da prancha, dobra os cotovelos mantendo-os junto ao corpo, descendo o tronco até quase tocar o chão, mantendo alinhamento dos ombros e cotovelos.
Expira enquanto desces.
7. Urdhva Mukha Svanasana (postura do Cão para cima)
Deita-te de barriga para baixo, estenda os braços e eleve o peito, abrindo o peito para frente e olhando para cima, mantendo as pernas ativas.
Inspira ao elevar o peito.
8. Adho Mukha Svanasana (postura do Cão para baixo)
Apoiad@ nas mãos e pés, quadris elevados, formando um “V” invertido com o corpo. Cabeça relaxada entre os braços, coluna longa.
Respira profundamente e de forma relaxada, alongando a coluna.
9. Ardha Uttanasana (Meia dobra para a frente)
Igual à postura 4. Tronco paralelo ao chão, coluna alongada, mãos nas canelas ou chão.
Respiração: Inspira ao elevar o tronco.
10. Uttanasana (Dobra para a frente)
Igual à postura 3. Tronco dobrado para frente, cabeça relaxada.
Respiração: Expira ao dobrar.
11. Urdhva Hastasana (Saudação para Cima)
Igual à postura 2. Braços estendidos para cima, tronco alongado.
Respiração: Inspira ao elevar os braços.
12. Tadasana (Postura da Montanha)
Igual à postura 1. Corpo alinhado, estável, respirando profundamente.
Inspira e expira de forma equilibrada, sentindo o enraizamento.
Tradicionalmente, pratica-se entre 3 e 12 ciclos seguidos.
Uma prática para todos os corpos
Embora muitas imagens associadas ao Yoga mostrem corpos esguios e flexíveis, a Saudação ao Sol é acessível a todas as pessoas, com as devidas adaptações. Há variações para quem tem mobilidade reduzida, dores crónicas ou está a iniciar-se. O mais importante não é a perfeição do movimento, mas a consciência com que é feito.
Como afirmou o professor indiano T.K.V. Desikachar (1938-2016): “O Yoga deve ser adaptado ao indivíduo, e não o indivíduo ao yoga.”
Honrar o Sol interior
Numa era em que o ritmo dos dias tende a ser ditado por agendas sobrecarregadas, praticar a Saudação ao Sol diariamente pode ser uma forma de começar o dia com intenção. Bastam 10 minutos para acordar o corpo e alinhar a mente e o espírito.
O ritual milenar da Saudação ao Sol oferece um espaço de presença, um retorno ao essencial. Uma forma de lembrar, logo pela manhã, que existe em nós uma centelha de luz que podemos saudar e honrar.
Referências:
Foto: Amauri Mejía
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