Recusar a desumanização, apoiar organizações humanitárias no terreno, participar em mobilizações e campanhas, boicotar marcas cúmplices do apartheid israelita ou da ocupação da Palestina — são gestos ao nosso alcance, e podem ajudar a travar o genocídio.
Ana João
Todos sabemos que a situação humanitária da Faixa de Gaza é devastadora. Conforme declarou o senador norte-americano Bernie Sanders a 25 de julho: “Tendo já matado ou ferido 200.000 palestinianos, principalmente mulheres e crianças, o governo extremista israelita está a usar a fome em massa para arquitetar a limpeza étnica de Gaza”.
A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) afirmou em maio que existiam 66.000 crianças a sofrer de subnutrição grave. Praticamente toda a população enfrenta insegurança alimentar grave. A 26 de julho, o Ministério da Saúde de Gaza reportou um total de 127 mortes por fome e subnutrição, incluindo 85 crianças.
É doloroso e revoltante ver uma crise humanitária destas proporções acontecer em direto, perante os olhos do mundo, e sentir que quase nada está a ser feito de forma eficaz para a travar. Quem tem poder de agir ‒ governos, empresas, instituições ‒ tem escolhido não arriscar interesses, tornando a situação em Gaza um fracasso coletivo da comunidade internacional ‒ político, moral, jurídico e humano.
Podemos não conseguir parar o genocídio. Mas ainda podemos:
- Recusar a desumanização: ver as crianças de Gaza como se fossem nossas; falar sobre o tema, escrever, denunciar, educar;
- Apoiar financeiramente organizações humanitárias sérias no terreno (por exemplo, UNRWA, Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha);
- Participar em mobilizações, petições, campanhas, exigindo dos nossos representantes políticos ações concretas, não só palavras ‒ por exemplo, assinando a Petição para que o Governo reconheça o genocídio em Gaza e pressione Israel a permitir a entrada de ajuda na Palestina;
- Boicotar marcas e empresas envolvidas com o apartheid israelita ou com a ocupação dos territórios palestinianos é uma forma legítima, pacífica e eficaz de resistência. Trata-se de uma ação política e ética ‒ e não apenas de consumo.
Empresas multinacionais e marcas associadas a Israel ou à ocupação:
Lista compilada a partir de fontes como o movimento BDS, o Who Profits, American Friends Service Committee, entre outras organizações independentes.
Tecnologia / vigilância / armamento
| Empresa | Envolvimento/ motivo principal de boicote |
| HP Inc. & HPE (Hewlett-Packard) | Fornece sistemas biométricos usados em checkpoints e prisões |
| Motorola Solutions | Fornece sistemas de vigilância e comunicação para o exército israelita |
| Elbit Systems | Empresa militar israelita, exporta drones e armas usadas em Gaza |
| CISCO Systems | Parcerias tecnológicas com universidades e forças armadas israelitas |
| Palantir Technologies | Trabalha com forças armadas israelitas em análise de dados |
| Thales Group | Envolvida no fabrico de drones e sistemas de vigilância |
| G4S (agora parte da Allied Universal) | Prestou serviços de segurança em prisões e colonatos israelitas |
| Google e Amazon | Participaram em contrato de tecnologia militar com o governo israelita (Project Nimbus). Envolvimento direto em operações de vigilância e infraestrutura digital da ocupação. |
| Microsoft / Azure / Xbox | Fornecem serviços de cloud e IA usados em operações de segurança e vigilância pelo exército israelita. |
Consumo / retalho / estilo de vida
| Marca/Empresa | Envolvimento |
| Reebok | Patrocina a federação de futebol israelita, incluindo clubes em colonatos ilegais |
| Ahava | Cosméticos produzidos nas margens do Mar Morto, em território ocupado |
| SodaStream | Antiga fábrica instalada num colonato; embora tenha mudado de sede, ainda é controversa |
| Teva Pharmaceuticals | Empresa farmacêutica israelita — um dos maiores fabricantes de genéricos do mundo |
| Sabra Hummus | Co-propriedade da Strauss Group, que apoia tropas israelitas |
| Strauss Group | Multinacional alimentar israelita, com ligação direta ao exército |
| Osem/Nestlé | Nestlé detém grande parte da Osem, empresa alimentar israelita |
| McDonald’s | Apontado por apoiar soldados israelitas com refeições gratuitas (franquias locais) |
| AXA Seguros | Investiu em empresas ligadas a armamento israelita (ex: Elbit), e há evidências de que mantém investimentos em várias grandes empresas militares globais, que fornecem armas usadas por Israel em Gaza |
| Starbucks | Embora negue envolvimento direto com Israel, é regularmente boicotada por apoio a causas sionistas por antigos CEO’s e lobbies |
| L’Oréal | Relações comerciais estreitas com Israel; sede no país construída em terras confiscadas |
| Zara / Inditex | Cumplicidade com regime israelita e expansão em Israel durante ofensiva militar |
Transportes, energia e infraestruturas
| Empresa | Envolvimento |
| Siemens | Envolvida em projetos energéticos em colonatos ilegais |
| Caterpillar | Fornece escavadoras usadas para demolições de casas palestinianas |
| Volvo | Camiões e maquinaria pesada usados na construção de colonatos |
| Hyundai Heavy Industries | Maquinaria usada na destruição de casas palestinianas |
| Airbnb | Permitiu alojamentos em colonatos ilegais; recuou parcialmente após críticas, mas mantém presença controversa. |
| Booking.com | Lucra com alojamentos em colonatos ilegais; apesar de críticas e denúncias da ONU e ONGs, continua listagens controversas na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. |
Instituições financeiras
| Banco / Fundo | Envolvimento |
| Barclays | Investimentos em empresas militares ligadas a Israel |
| HSBC | Investimentos em empresas fornecedoras de armas |
| BlackRock | Participações em empresas cúmplices como Elbit Systems |
| BNP Paribas | Financiamento de companhias de armamento e colonatos |
| Deutsche Bank | Envolvimento em financiamento de empresas de segurança |
Nem todos os casos são iguais
Algumas marcas têm envolvimento direto, outras indireto (ex: financiamento, parcerias, contratos com o governo israelita). O movimento internacional bdsmovement.net (BDS – Boicote, Desinvestimento e Sanções) propõe priorizar o boicote estratégico, ou seja, concentrar esforços em empresas com maior impacto simbólico, económico e logístico ‒ como HP, Reebok, Caterpillar, Elbit e AXA.
Como saber o que boicotar?
- O bdsmovement.net tem listas atualizadas. Podes consultar o link bdsmovement.net/Guide-to-BDS-Boycott
- Há apps como Buycott ou No Thanks que ajudam a identificar produtos e marcas.
- Algumas organizações fazem campanhas específicas por país – por exemplo:
Mas isto faz mesmo diferença?
Sim. Vários exemplos mostram o impacto real:
- A Veolia, multinacional de transportes e águas, perdeu contratos no valor de milhares de milhões de euros após campanhas BDS, e acabou por sair de Israel (em 2015);
- Universidades e fundos de pensão desinvestiram de empresas israelitas ou cúmplices;
- Algumas celebridades e artistas cancelaram atuações em Israel por pressão pública (ex: Lorde, Brian Eno, Roger Waters).
Nota importante
Boicotar não é sinónimo de ódio a judeus ou israelitas. É uma crítica política a um regime e a um conjunto de políticas de ocupação e apartheid, tal como aconteceu no caso da África do Sul.
E os meios de comunicação?
A maior parte dos meios de comunicação ocidentais está comprometida com narrativas enviesadas, especialmente quando o tema é Palestina, Israel ou o Médio Oriente em geral. Muitos adotam linguagem que neutraliza ou esconde crimes de guerra, evita nomear “ocupação” ou “apartheid“, e frequentemente ecoam as versões oficiais de governos aliados de Israel.
Mas há meios mais confiáveis ‒ independentes, críticos e com jornalistas no terreno.
Meios internacionais relativamente confiáveis (com cobertura crítica e humanitária)
| Nome | Descrição breve |
| Al Jazeera (Inglês e Árabe) | Um dos mais ativos na cobertura da Palestina. Tem jornalistas em Gaza (alguns foram mortos). Dá voz a vítimas e especialistas do sul global. |
| Middle East Eye | Foco no Médio Oriente com bom jornalismo de investigação e crítica aos abusos de Israel e potências ocidentais. |
| +972 Magazine | Publicação israelita progressista e anticolonial, escrita por judeus e palestinianos críticos do regime. Muito respeitada. |
| The Intercept | Jornalismo investigativo independente, fundado por Glenn Greenwald. Aponta o dedo aos EUA, Israel e grandes corporações. |
| Democracy Now! | Jornalismo progressista dos EUA, com reportagens e entrevistas com especialistas palestinianos, ativistas e médicos no terreno. |
| Mondoweiss | Plataforma norte-americana focada exclusivamente na questão israelopalestiniana, com um claro posicionamento pró-direitos humanos. |
| Electronic Intifada | Uma das vozes mais firmes na denúncia do apartheid israelita. Conteúdo informativo, opinião e reportagem. 100% dedicado à Palestina. |
| The New Arab | Jornalismo crítico sobre o mundo árabe e a Palestina, com sede em Londres. |
Meios mainstream com cobertura mista (mas úteis se filtrados)
| Nome | Observações |
| The Guardian | Tem reportagens críticas, sobretudo na secção internacional. Mas a linha editorial é ambígua — mistura denúncia com complacência. |
| Le Monde Diplomatique | Perspetiva crítica e bem fundamentada sobre geopolítica, incluindo Palestina. (Evita linguagem simplista.) |
| BBC / CNN / Reuters / NYT | São influentes, mas com viés pró-ocidente. Quando usares, verifica o vocabulário (“morreu” vs “foi morto”, “conflito” vs “invasão”) e compara com outras fontes. |
Plataformas e jornalistas independentes nas redes sociais
- Plataformas no Instagram e Telegram como @eye.on.palestine, @letstalkpalestine, @decolonizepalestine.
- Jornalistas como Abby Martin, Max Blumenthal, Mohammed El-Kurd, Muna El-Kurd, entre outros.
- Motaz Azaiza (Instagram): fotógrafo e ativista palestiniano. Trabalhou desde Gaza e tornou-se símbolo global.
Atenção ao que não é neutro, mesmo que pareça “respeitável”
| Meio | Porquê desconfiar? |
| CNN, Fox News, Sky News | Visão pró-Israel ou reducionista do conflito; evitam palavras como “genocídio”, “colonização”, “apartheid”. |
| The New York Times | Apesar da aparência liberal, tem sido repetidamente criticado por apagar crimes israelitas e amplificar desinformação oficial. |
| Deutsche Welle | Fortemente alinhada com a narrativa euroatlântica; censurou vozes críticas de Israel. |
| Politico, Bloomberg, AFP | Publicam dados úteis, mas com linguagem sanitizada, diluída ‒ é preciso ler “nas entrelinhas”. |
Podemos não conseguir mudar o mundo, mas podemos continuar atentos e fazer o que está ao nosso alcance. Pelas crianças de Gaza, que são nossas também.
Foto de Ahmed Abu Hameeda (2015) na Unsplash
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