Por Cristina Donato
Especialista clínica de Medicina Ayurveda e professora de Yoga
Respirar significa estar vivo! Fazemos a nossa primeira inspiração quando nascemos e expiramos pela última vez quando a vida termina. Entre um momento e o outro fazemos um número incontável de respirações, a maior parte de forma inconsciente, graças ao sistema nervoso involuntário que controla as funções vitais do corpo, enquanto o nosso intelecto se ocupa das ações voluntárias que necessitamos de desempenhar ‒ e que ocupam, quase permanentemente, a nossa atenção.
Apesar desta magnífica sabedoria do corpo nos permitir viver, a respiração inconsciente e automática é, no entanto, limitada. Um grande número dos seus benefícios é desperdiçado devido a este automatismo e falta de atenção.
Respirar conscientemente, aproveitando toda a capacidade pulmonar e usando técnicas específicas, permite, além de inúmeros benefícios físicos, controlar estados de ansiedade, stresse, gerir estados de dor, recuperar de depressões ‒ no fundo, manter um estado mental equilibrado.
A respiração é tão importante que o Yoga possui há milhares de anos uma disciplina técnica – Pranayama, dedicada à prática e ao refinamento da respiração.
A palavra divide-se em prana, que significa respiração ou energia, e ayama que se pode traduzir por alongar, expandir, regular ou controlar. Assim, pranayama pode definir-se como o alongar da respiração e o seu controlo.
Os oito membros do Yoga
No Yoga Sutra, um dos textos basilares do Yoga, datado entre o século II e III (apesar da sua transmissão oral ser muito anterior), o seu autor, Patanjali, define os oito membros ou componentes do Yoga:
- Yamas (conduta social),
- Nyamas (conduta connosco),
- Asanas (posturas psicofísicas),
- Pranayama (técnicas respiratórias),
- Pratyahara (retração dos sentidos),
- Dharana (concentração),
- Dhyana (meditação),
- Samadhi (contemplação, o objetivo último do Yoga).
Todas estas disciplinas estão interligadas na prática de Yoga e são igualmente importantes e fundamentais para o nosso bem-estar e desenvolvimento harmonioso enquanto pessoas, ao nível físico, mental, emocional e espiritual.
No Yoga Sutra, pranayama é definido como “a regulação consciente e deliberada da respiração, que substitui os padrões respiratórios inconscientes”. “Deve-se ter em conta a expiração, a inspiração e as retenções… de forma a que a respiração seja longa e subtil.”
Patanjali diz ainda que um dos sintomas de sofrimento físico ou psicológico é uma respiração agitada.
Também no Hatha Yoga Pradipika, do século XV, o seu autor, o Yogi Svatmarama, explica: “Quando o sopro está estável ou instável, assim está a mente e com ela, o yogi. Por isso, a respiração deve ser controlada”.
Assim, os textos dizem que a respiração deve ser consciente, longa e subtil, para que a mente esteja estável.
Em concordância com isto, a fisiologia moderna sabe que a respiração curta e rápida ativa e é ativada pelo sistema nervoso simpático, responsável pelo mecanismo “luta ou fuga”, em situações de perigo iminente ou stresse. Pelo contrário, uma respiração mais longa, com ênfase na expiração, ativa e é ativada pelo sistema nervoso parassimpático que coordena um grande número de funções orgânicas quando estamos calmos e em segurança. Ou seja, o nosso estado mental está diretamente ligado à nossa respiração e vice-versa, influenciam-se mutuamente.
Por isso, a alteração voluntária e correta do padrão respiratório permite controlar as emoções e equilibrar o estado mental!
Normalmente, respiras pelo nariz ou pela boca?
- Respiras pelas duas narinas com igual facilidade ou sentes alguma diferença entre elas?
- Quando observas a respiração, que partes do corpo se movimentam?
- Quando estás nervos@ ou preocupad@, como é a tua respiração?
- E quando estás tranquil@?
Podes fechar os olhos alguns instantes e tentar sentir. A resposta a estas questões é o ponto de partida para te encontrares com a tua respiração!
Mas então como devemos respirar? Qual a melhor técnica?
As técnicas de pranayama são muitas e variadas, com graus de complexidade diferentes, onde se podem incluir ritmos (proporção das várias fases da respiração umas em relação às outras), contagens, sons, mudras (gestos específicos, normalmente feitos com as mãos), bandhas (pontos do corpo usados para controlar a energia) e pontos onde focar a mente.
No entanto, a base de todas as técnicas é a respiração completa. Esta é a primeira respiração a aprender, por quem pratica yoga (ou não), e que servirá de base a técnicas mais refinadas e complexas, que deverão ser introduzidas gradualmente à medida que o praticante vai estando preparado.
A respiração completa do Yoga
Esta respiração, tal como a maioria das técnicas respiratórias yóguicas, deve ser feita pelo nariz, tanto ao inspirar como ao expirar.
A respiração nasal tem duas vantagens evidentes, bem conhecidas pela biologia e pela medicina: permite aquecer o ar que entra (isto é especialmente importante no inverno), de forma a que as trocas gasosas ocorram mais facilmente no interior dos pulmões, e filtrar os agentes infeciosos presentes no ar, como poeiras, vírus, bactérias, graças ao pelos e ao muco presente no interior das narinas.
A técnica
Após adotar a postura recomendada, podes, principalmente nas primeiras vezes, para sentir melhor a respiração e estar mais concentrad@, colocar a mão esquerda na zona do coração e a mão direita sobre o umbigo. Fecha os olhos e imagina que todo o tronco é um balão:
- Ao inspirar, enche o balão do coração até ao umbigo e sente os movimentos do tronco. À medida que o ar entra de cima para baixo, sente que o peito sobe, as costelas sobem e afastam-se, o diafragma desce e o abdómen expande, fazendo subir o umbigo.
- Ao expirar, esvazia o balão do umbigo até ao coração e sente os movimentos do tronco. À medida que o ar sai, de baixo para cima, sente o umbigo a descer com o abdómen, a subida do diafragma e a descida das costelas e do peito, com o relaxamento da caixa torácica.
À medida que estiveres mais à vontade com a respiração, podes fazê-la sem colocar as mãos no tronco. Mas não esqueças, deves manter a atenção na respiração! Podes também, para evitar que a respiração se torne automática, fazer pequenas paragens, de 1 ou 2 segundos, no final da inspiração, com os pulmões cheios, e no final da expiração, com os pulmões vazios.
É natural que no início aches que a tua respiração é curta ou que não tenhas a certeza se algumas zonas da caixa torácica estão realmente a movimentar-se, acompanhando a respiração. Sê compassiv@ contigo e pratica todos os dias como se fosse a primeira vez, respeitando o ritmo do corpo. Gradualmente, ganharás maior consciência da tua caixa torácica e a respiração tornar-se-á mais longa.
Lembra: uma respiração proveitosa para o corpo e a mente deve ser silenciosa, ter um ritmo constante (sem “sacudir”) e trazer uma sensação agradável.
Quando praticar?
O ideal é criar uma rotina para praticar a respiração completa e consciente. Podes começar com 5 a 15 minutos de manhã antes do pequeno almoço e/ou ao fim do dia, antes do jantar, ou antes de dormir. Qualquer outro horário também é adequado, desde que não tenhas o estômago cheio, para não interferir na digestão.
Na realidade, a respiração completa é uma ferramenta prática, que pode ser usada em qualquer momento e qualquer local de forma discreta e eficaz, incluindo no caminho para o trabalho, no trabalho… ou em qualquer situação em que precises de gerir as emoções.
Assim, não só conseguirás manter os níveis de ansiedade mais baixos no seu dia a dia, como a inteligência natural do corpo recorrerá a esta respiração em momentos de maior stresse, para melhor lidar com as situações.
Em conclusão, o nosso estado mental altera a respiração, mas a respiração consciente e atenta também altera o estado mental de forma positiva. Por isso, marca 5 a 15 minutos por dia para te encontrares com a tua respiração!
Benefícios da respiração completa:
- Aumenta a oxigenação do sangue, o que é benéfico para todos os órgãos e tecidos;
- Aumenta a energia e a resistência;
- Equilibra o pH do sangue, devido à maior eliminação do ácido carbónico;
- Fortalece os músculos envolvidos na respiração e aumenta a capacidade pulmonar;
- Massaja o coração, rejuvenescendo-o;
- Massaja os órgãos abdominais, incluindo os intestinos, o que facilita a evacuação (evita a prisão de ventre) e a boa eliminação dos resíduos;
- Melhora o funcionamento do estômago, vesícula, pâncreas, baço, rins e fígado;
- Equilibra o sistema endócrino;
- Revitaliza o sistema nervoso;
- Facilita o relaxamento e o sono;
- Aumenta a concentração e o discernimento;
- Ajuda a gerir as emoções.
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