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A 10 de dezembro assinala-se o Dia dos Direitos Humanos. Num mundo que se debate com desigualdade, violência e desumanização, vale a pena recordar que a dignidade humana não é apenas uma questão jurídica, também é uma questão ética e filosófica. Na tradição védica, essa reflexão surge nos Purusharthas, os quatro propósitos fundamentais da vida humana. Entre a Declaração Universal dos Direitos Humanos e esta visão ancestral, existe um diálogo: ambos definem os princípios que ajudam cada pessoa a viver plenamente e no seu maior potencial.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, num esforço global para reconstruir a noção de dignidade após a devastação da Segunda Guerra Mundial. O documento reúne 30 artigos que afirmam princípios fundamentais, como a igualdade entre todas as pessoas, a liberdade de pensamento e expressão, o direito à vida e à segurança, a proteção contra discriminação, a educação, o trabalho digno e a participação na vida cultural e social.
Ler Declaração Universal dos Direitos Humanos
Podemos considerar como principais categorias:
- Direitos fundamentais (Art. 1–5): dignidade e igualdade proibição de discriminação, direito à vida, proibição de tortura, escravidão e tratamentos desumanos.
- Liberdades civis (Art. 6–11): reconhecimento jurídico de personalidade, proteção contra detenções arbitrárias, direito a julgamento justo, presunção de inocência.
- Liberdades individuais e políticas (Art. 12–21): privacidade, liberdade de circulação, direito de asilo, direito a nacionalidade, liberdade de pensamento, consciência e religião, liberdade de expressão, liberdade de reunião e associação, participação política e direito de votar.
- Direitos económicos, sociais e culturais (Art. 22–27): segurança social, trabalho em condições justas, descanso e lazer, nível de vida adequado (alimentação, habitação, saúde), educação, participação na vida cultural proteção da propriedade intelectual.
- Deveres e limites (Art. 28–30): direito a uma ordem social justa, responsabilidade individual perante a comunidade, limites dos direitos para proteger direitos de terceiros.
Embora não seja um tratado jurídico vinculativo, a Declaração tornou-se a pedra angular da legislação internacional de direitos humanos, influenciando constituições, convenções e sistemas legais em todo o mundo. Mais do que um quadro político, ela traduz uma visão ética universal sobre aquilo que cada pessoa deve poder esperar simplesmente por existir: dignidade, liberdade e proteção.
Purusharthas, os quatro objetivos da vida
Torna-se também interessante observar como diferentes tradições filosóficas abordam a ideia do propósito humano e do que sustenta uma vida digna. Neste sentido, os Puruṣārthas, os quatro objetivos da vida humana segundo a tradição védica e hindu, oferecem uma perspetiva complementar.
Dharma, sentido, ética, integridade
O primeiro Purushartha, Dharma, é frequentemente traduzido como “propósito”, “retidão” ou “integridade”. Refere-se à vida ética e à coerência com princípios justos. No contexto dos Direitos Humanos, conecta-se à ideia de que cada pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e expressão, e deve poder agir em harmonia com princípios universais de justiça e respeito (Artigos 1.º, 2.º, 18.º, 19.º). Dharma é sobre agir corretamente, preservando a dignidade própria e alheia. É a base ética que permite que uma vida seja vivida com sentido, o direito a ser quem se é.
Dharma é o objetivo interior do ego (Ahamkara).
Artha, segurança, estabilidade, prosperidade
Artha refere-se aos meios necessários para uma vida digna e próspera: segurança, sustento, condições materiais adequadas e estabilidade social. Nos Direitos Humanos, encontra eco nos artigos que garantem trabalho digno, segurança social, acesso à saúde e a um padrão de vida adequado (Artigos 22.º, 23.º, 25.º). Sem Artha, a liberdade ética (Dharma) não se concretiza plenamente: a dignidade precisa de condições concretas para ser vivida.
Artha é o objetivo exterior do princípio do ego (Ahamkara).
Kama, prazer, bem-estar, alegria
Kama refere-se ao direito ao prazer legítimo, bem-estar emocional, afetividade e lazer. Os Direitos Humanos refletem este princípio defendendo a vida privada, a família, o descanso, a participação cultural e o direito à educação (Artigos 12.º, 16.º, 24.º, 26.º, 27.º). Viver plenamente também significa ter tempo e espaço para a satisfação dos desejos (que podem ser vivenciados sensorialmente ou sublimados), relações saudáveis, afeto e alegria.
Kama é o princípio do desejo ou da mente emocional (Manas).
Moksha, libertação, transcendência
Moksha, libertação, é o culminar dos Purusharthas. Refere-se à liberdade interior e exterior, ao desenvolvimento da consciência a um nível profundo, pensamento e ação corretos e não condicionados. Esta visão ecoa de certa forma os Artigos 13.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º, que garantem direitos à liberdade de movimento, de crença, de opinião, de reunião e de participação na vida política.
Moksha é o objetivo da inteligência (Budhi).
Um convite comum
A Declaração Universal dos Direitos Humanos define o mínimo que deve ser garantido a todos; os Purusharthas são princípios orientadores sobre o que compõe uma vida humana plena. Em perspetivas tão distantes, encontramos o mesmo núcleo: o da dignidade humana.
Neste Dia dos Direitos Humanos, a ligação entre estes dois mundos pode recordar que defender direitos não é apenas um exercício político ‒ é também um compromisso com a visão mais ampla e generosa do que significa ser humano.
Foto de truthseeker08
Fontes:
Declaração Universal dos Direitos Humanos. URL: https://www.ohchr.org/en/human-rights/universal-declaration/translations/portuguese
Manual do Curso de Técnico de Medicina Ayurveda – Módulo 1, Associação Portuguesa de Medicina Ayurveda, 2018.
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