Kundalini: a serpente que habita a base da coluna

Hoje assinala-se o Dia Mundial da Serpente, animal temido por uns, venerado por outros, mas sempre envolto em mistério e simbolismo. Em muitas tradições espirituais, ela representa transformação, regeneração, cura e sabedoria. Para o Yoga e o Tantra, é o arquétipo da energia Kundalini, adormecida na maioria de nós.

Nos Upanishads e noutros textos do Yoga, a Kundalini é representada como uma serpente adormecida, enrolada três vezes e meia na base da coluna vertebral, no centro energético conhecido como Muladhara (chakra raíz). A Kundalini desperta quando o prana (energia vital) entra no nadi Sushumna, canal de energia no corpo subtil – o que não costuma acontecer até que toda a identificação com o corpo físico e a mente cesse. Normalmente, é quando o praticante atinge o oitavo membro do Yoga, Samadhi, e abandona toda a dualidade, que este canal desperta.

Ao despertar, a Kundalini sobe em espiral pelo nadi Sushumna, percorrendo todos os chakras, desde os inferiores, relacionados com a matéria/corpo físico, até aos superiores, relacionados com a consciência e a espiritualidade. Ao contrário dos nadis Ida e Pingala, que terminam no chakra da terceira visão (Ajna), Sushumna termina no chakra coronário (Sahasrara), revelando estados expandidos de consciência e potencialidades latentes. 

“O despertar da Kundalini é o nascimento da verdadeira espiritualidade”, escreveu Gopi Krishna (1903-1984), um dos primeiros autores contemporâneos a descrever a sua experiência, em Kundalini: The Evolutionary Energy in Man. Para ele, a Kundalini não é apenas um símbolo, mas um processo biológico e espiritual real, que pode transformar radicalmente a perceção e a vida interior de um ser humano.

Energia da consciência unificada

A Kundalini é considerada uma manifestação de Shakti, o princípio feminino do universo, por isso, é chamada Kundalini Shakti. Ela representa a força vital evolutiva dentro de cada um de nós, revelando a união da matéria (Shakti) com a consciência pura (Shiva).

Kundalini não é uma energia separada da consciência, mas a energia da perceção que se manifesta quando a mente se liberta da fragmentação do pensamento e da emoção baseada no ego.

David Frawley (n.1950), Yoga e Ayurveda

Preparação emocional, física e espiritual

O Yoga clássico recomenda uma preparação cuidadosa, a purificação do corpo, da mente e do espírito, antes de tentar despertar a Kundalini. Os primeiros quatro membros do Yoga – Yama (regras éticas universais), Niyama (autodisciplina), Asana (posturas físicas) e Pranayama (técnicas de respiração consciente) – devem ser observados, sendo também recomendadas práticas como meditação e estudo espiritual; caso contrário, a Kundalini pode levar a estados mentais perturbados e stresse no corpo físico e emocional. 

O despertar deve ser gradual, consciente e bem acompanhado – de preferência com orientação qualificada e dentro de um sistema coerente, que inclua alimentação leve e sátvica, sono adequado e serviço (para canalizar o excesso de energia em actos altruístas). 

A importância de pranayama

Como referem os textos do Hatha Yoga Pradipika:

Quando a respiração é instável, a mente também o é. Mas quando a respiração está sob controlo, também a mente repousa. E assim, o yogi alcança estabilidade.

É neste contexto que pranayama se revela uma ferramenta essencial, não apenas como técnica de controlo respiratório, mas como ponte entre o corpo e a consciência — um caminho para preparar o terreno interno onde a serpente sagrada poderá, um dia, acordar.

Práticas como nadi shodhana (respiração alternada), bhastrika (respiração do fole), kapalabhati (respiração de purificação) ou da simples respiração diafragmática consciente, entre outras, ajudam a:

  • Descongestionar e purificar os canais de energia (nadis);
  • Equilibrar os hemisférios cerebrais;
  • Regular o sistema nervoso autónomo;
  • Estimular o eixo hipotálamo–hipófise–adrenal;
  • Reduzir tensões emocionais e físicas;
  • Criar espaço interno para que a energia possa subir sem bloqueios.

Um despertar progressivo 

Tradições como o Yoga Arhático, criado pelo Mestre Choa Kok Sui (1952-2007), falam em 49 camadas de despertar gradual – sete camadas principais com sete subcamadas cada. A maioria das pessoas pode ter uma ativação parcial ou temporária durante práticas intensas, momentos de crise, traumas profundos ou estados de êxtase. Mas o ideal, segundo os mestres, é não forçar nada, antes cultivar um estado de escuta interior, deixando que o processo aconteça com sabedoria e ao ritmo certo.

Imagem de beetpro

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