O eixo microbiota-intestino-cérebro

Dados recentes evidenciam que a microbiota, a população de micróbios que vive no corpo humano, especialmente no nosso intestino, pode influenciar muitos parâmetros fisiológicos, incluindo funções cognitivas como aprendizagem, memória e processos de tomada de decisão. 

Por Ana João

A microbiota intestinal (antes denominada flora intestinal) desempenha um papel importante na nossa saúde e bem-estar. Para além de ser, por exemplo, fundamental para assegurar o adequado funcionamento digestivo, contribuir para a produção de algumas vitaminas (B e K) e desempenhar um papel protetor do sistema imunitário, tem um papel importante naquilo a que os especialistas chamam de interações bidirecionais entre o intestino e o sistema nervoso.

Na prática clínica, as doenças funcionais gastrointestinais, como a síndrome do intestino irritável, são um exemplo destas interações entre microbiota, intestino e cérebro, havendo crescentes evidências de que este eixo pode afetar várias outras patologias metabólicas e mentais1.

A microbiota interage com o Sistema Nervoso Central (SNC), regulando a química cerebral e influenciando sistemas neuroendócrinos associados com a resposta ao stresse, ansiedade e memória. Em adição, os efeitos do SNC refletem-se na composição da microbiota.

World J Gastroenterol. 2014 Oct 21; 20(39): 14105–14125.

Fatores de disbiose intestinal 

A composição da microbiota é influenciada pelo meio ambiente e alimentação, desde as primeiras fases da vida. Vários fatores associados à vida ocidental moderna, tais como o uso de antibióticos e outros fármacos, stresse e consumo de alimentos ricos em compostos de enxofre, em proteínas e /ou carne, têm um impacto negativo sobre a microbiota, contribuindo para um quadro clínico de disbiose.

A perda de equilíbrio da microbiota intestinal desempenha um papel em diversos problemas de saúde, dentro e fora do intestino.

Microbiota intestinal e doenças do Sistema Nervoso

Tendo em conta a sua importância nas interações entre intestino e o cérebro, a microbiota pode afetar várias condições de saúde, incluindo dor visceral, autismo, obesidade, risco cardiovascular, ansiedade/depressão e esclerose múltipla1.

Autismo 

Sintomas intestinais, como dor abdominal, obstipação e/ou diarreia, são frequentemente relatados em crianças com perturbações do espectro autista (PEA) e tem sido sugerido um papel potencial dos distúrbios gastrointestinais, que podem contribuir para a gravidade da doença,.

Ansiedade e depressão 

Tem sido sugerida uma associação entre a depressão major e microbiota intestinal alterada, relacionando-se também a má absorção de hidratos de carbono a um risco aumentado de desenvolver essa doença mental.

Esclerose múltipla 

Embora a causa da esclerose múltipla (EM), doença auto-imune que conduz à devastadora deterioração progressiva da função neurológica, seja desconhecida, os seus estímulos desencadeantes têm sido atribuídos a fatores ambientais, em particular a infeção microbiana. Os microorganismos parecem assim ser importantes para o aparecimento e/ou a progressão da EM.

Stresse e dor visceral 

O stresse está implicado na alteração da motilidade e permeabilidade do trato gastrointestinal, bem como no desenvolvimento e exacerbação de dor visceral, características de doenças gastrointestinais funcionais (como a síndrome do intestino irritável), que afetam uma proporção significativa da população. De resto, o stresse e a microbiota intestinal interagem e influenciam-se na regulação da dor visceral.

Esquizofrenia

Estudos apontam que a inflamação gastrointestinal, bem como alterações na permeabilidade do intestino, pode contribuir para a esquizofrenia. Problemas gastrointestinais são relevantes nesta doença mental.

Bibliografia:

Augusto J. Montiel-Castro et al, The microbiota-gut-brain axis: neurobehavioral correlates, health and sociality. Front Integr Neurosci. 2013; 7: 70.

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James B Adams et al. Gastrointestinal flora and gastrointestinal status in children with autism – comparisons to typical children and correlation with autism severity. BMC Gastroenterol. 2011; 11: 22. Published online 2011 Mar 16. 

Maes M et al. The gut-brain barrier in major depression: intestinal mucosal dysfunction with an increased translocation of LPS from gram negative enterobacteria (leaky gut) plays a role in the inflammatory pathophysiology of depression. Neuro Endocrinol Lett. 2008 Feb;29(1):117-24.

Berer K et al. Commensal microbiota and myelin autoantigen cooperate to trigger autoimmune demyelination. Nature. 2011 Oct 26;479(7374):538-41.

Moloney RD et al. Stress and the Microbiota-Gut-Brain Axis in Visceral Pain: Relevance to Irritable Bowel Syndrome. CNS Neurosci Ther. 2016 Feb;22(2):102-17.

Emily G. Severance et al. Gastrointestinal inflammation and associated immune activation in schizophrenia. Schizophr Res. 2012 Jun; 138(1): 48–53.


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